28.9.10

CEP 20.000

Nesta quarta, dia 29, tem CEP 20.000, às 20h30 no Espaço Cultural Sérgio Porto. Meu querido Arnaldo Brandão vai apresentar um pocket do seu show Amnésia Programada, em que eu faço uma participação poética. Então estaremos lá. Estaríamos de qualquer jeito. Mas no palco com o Arnaldo vai ser mais gostoso...

E amanhã ainda tem o aniversário do Fernando! Já vi que vai ser uma daquelas noites intermináveis... Só espero que ao fim eu não esteja aquela bêbada melancólica dos últimos dias... Já não me suporto mais! Ainda bem que estarei com Arnaldo, Juju, Marcela, Fernando e sabe-se lá quem mais... Meus amigos sempre cuidam de me arrancar boas risadas. Acho que é pra isso que se tem amigos, né? Deve ser.

Do lugar onde estou

para Mário Bortolotto

Tenho andado com o seu livro na minha bolsa. Um bom lugar pra morrer, qualquer lugar onde eu esteja. Hoje li um poema seu numa mesa de bar e um amigo me falou: “é você”. Por um segundo fiquei feliz. Porque eu te admire como poeta, talvez. Mas depois eu pensei: “que merda!”. Porque eu me identifico nessas coisas que você escreve e que nos dilaceram. Você tem o dom de tornar a tristeza bonita e isso é quase um crime. Eu quero ser feliz, mas eu sou esses pombos que se suicidam no seu sótão e esse cara que incendeia o bar e volta pra casa sozinho. E eu leio o jeito que você escreve e quase acho bonito ser assim. Na verdade não é bonito nem feio, simplesmente é, mas eu me dilacero. E você me conforta. Outro dia um amigo nosso escreveu no meu blogue que sai de lá “um pouco mais consolado”. E eu pensei: “eu queria era sair consolada da minha vida”. Mas eu entendo o que ele diz. Perceber no outro a mesma dor que nos dói nos consola, nos faz sentir menos sozinhos. E não é que a gente deseje essa dor pra ninguém, não! Mas se sentir menos sozinho já é menos solidão, por mais que ela seja irremediável. É menos solidão. Então eu ando com o seu livro na minha bolsa. E passo uma noite incrível com uns amigos tocando violão e tocando gaita enquanto eu leio os seus poemas. E eles pegam o seu livro das minhas mãos e lêem os seus poemas. E eles me dizem “é você” ou me perguntam quem é você, e também desejam ter esse livro. No fundo somos todos um pouco assim. E todos se identificam. Porque “ela não vai aparecer, eu a amo, então chamo um taxi e volto pra casa”. E esses malditos sapatos de névoa pisoteando os nossos corações... E essas pessoas nos dizendo que temos problemas com a bebida... E essas coisas que encontramos no vão do sofá... E esse silêncio, e esse silêncio... “olhando cúmplices para a piscina vazia”.

Te vejo do lugar onde estou.
Te beijo,
Bia

* sobre o livro "Um bom lugar pra morrer"

27.9.10

celebrei o casamento de uma amiga
falei uns poemas de amor
me emocionei pra caralho
enchi a cara de whisky
dormi no carro
e terminei vomitando na calçada
nessa vida algumas pessoas conseguem ser felizes
e eu torço muito pelos meus amigos

OS TRÊS MAL-AMADOS

(João Cabral de Melo Neto)

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

25.9.10

whisky & solidão

essas coisas que a gente insiste em beber sem gelo
- whisky & solidão -
essas coisas corroem o estômago da gente
mas a gente pede sem gelo, engole a seco
e se sente foda
e essas coisas corroem a gente...
estou com o copo de whisky vazio
e uma garrafa cheia
de solidão
sem gelo
nenhuma possibilidade de diluição
a boca no gargalo
e o estômago corroído
e o peito igual a um copo vazio
uma dor terrível, dor de corrosão e de copos estilhaçados
e lá no fundo uma certa satisfação
– é que a gente se sente foda em beber essas coisas sem gelo

23.9.10

acerto de contas...

eu preciso te devolver os teus chinelos
um ou dois livros
e essa faca que você esqueceu no meu peito

22.9.10

umas camadas de soldião...

há um buraco no meu estômago onde a minha solidão se instalou
ela devora tudo, tem uma fome insaciável
devorou uma noite inteira, devorou o meu sono, devora o meu despertar
a solidão se instalou em camadas grossas por toda a minha pele
está em tudo o que eu toco, está em tudo o que eu sinto
a solidão tomou o verde dos meus olhos e penetrou todas as cores
a solidão devorou a minha língua
está na falta de palavras e em toda palavra mal dita
tudo o que eu não queria dizer ela grita

16.9.10

escritos no asfalto...

Há poemas gritando nas ruas. Gritando de dor, frio, fome, abandono e solidão. Gritando de alegria e gargalhando de paixão. Há poemas que gritam alto, outros são gritos mudos, alguns são apenas suaves sussurros. Todos podem ser lidos. Estão escritos no asfalto com tinta de rodas e de passos. Quase ninguém os lê, poucos lhes dão ouvidos. E a cidade está aí, com este ar de livro esquecido.

pedras portuguesas...

Eu me lembro que quando eu era criança eu brincava nas calçadas de pedras portuguesas de só pisar nas pedras brancas ou só nas pedras pretas, e assim eu ia pulando nas cores e me divertia muito com isso. Eu me lembro que quando eu era criança tudo, qualquer coisa, podia virar brinquedo. Eu me lembro que eu era feliz.

8.9.10

UMA ARMA APONTADA PRA MIM

uma arma apontada na minha direção
e os meus pés no acelerador
um cano virado pra mim
meus pés no acelerador
eu grito com a buzina do carro
nenhuma expressão de pavor
eu grito com a buzina e os pés no acelerador
eu grito muito passando pelos sinais vermelhos nesta madrugada
meu carro é uma arma!
eu sou uma bomba regulada pra explodir de tempos em tempos
atiro pela janela os seus óculos de grau
acendo um cigarro no posto de gasolina
eu sou uma bomba relógio – veja o tic-tac nos meus olhos!
eu poderia empunhar aquela arma numa fuga desesperada e me jogar na frente de um carro, como joguei meu carro contra aquela arma – certos medos eu encaro
sou fugitiva de um estacionamento de shopping center
sou fora da lei – dirijo embriagada e fumo em lugares fechados
faço coisas erradas – mas quem diz o que é certo?
aqueles seguranças que me expulsaram da festa por mergulhar seminua na piscina?, eles não sabem de nada!
minha loucura é o que me mantém viva
pessoas sensatas param o carro quando encaram uma arma
as loucas metem o pé no acelerador e a mão na buzina
o que é certo?
sei que estou viva, com os olhos soltando faísca
mais viva, talvez, no sentido de mais ligada
e continuo louca, dirigindo só pela madrugada
certos prazeres ninguém me tira, nenhum medo
não tenho medo da morte, nem da loucura
me apavora a caretice
e as pessoas que deixam de viver
quando ainda estão vivas
me apavora, não a morte, mas toda essa falta de vida

essa falta de vida...

ps. a título de informação, fui surpreendida na subida da ponte por um maluco que se jogou na frente do meu carro em movimento apontando uma arma, na madrugada de domingo pra segunda, e o que eu fiz já está dito: pé no acelerador e mão na buzina. sim, eu tive medo. mas nem pisquei. foram alguns segundos e eu não tive tempo de pensar mas sabia o que estava fazendo. ele seria atropelado se não tivesse desviado do carro.