14.5.11

dardos

ainda estou arrancando os espinhos dos pés
com aquela velha pinça enferrujada
devolvendo os murros nas pontas das suas facas
tacando as bolas brancas nas caçapas
treinando dardos em algumas fotos 3x4
paquerando parapeitos e precipícios
criando cães dentro do peito
pra me proteger do perigo
nem toda solidão é castigo
e a tristeza até que é um certo tipo de paz
toda felicidade é feroz

EXAGERADO

as paredes já não respondem
e nem os travesseiros dão colo
você lambe a cara de um cachorro
e abana o rabo por algum carinho
você está sozinho
você arranca o carpete do chão da sala
com os próprios dentes
arranca os próprios dentes
com um alicate de unha
afia as unhas no sofá
como um gato maníaco-compulsivo
você exagera, é overdose
a solidão é um vício

JÁ TENTOU MUDAR DE HÁBITOS?

eu exercito repetidamente
o ato de abrir a geladeira, pegar e abrir garrafas de cerveja
beber é apenas a conseqüência involuntária desse hábito
também gosto de pegar cigarros, segurar nos lábios e acender isqueiros
sempre odiei fumar
gosto mesmo é de ter um cigarro entre os dedos
você é apenas a conseqüência de mais um hábito involuntário
ter um homem entre as minhas pernas
e tragá-lo com se traga um cigarro
já tentou mudar de hábitos?
ah, meu bem, não é fácil!
estou fumando marlboros, mas eu gosto mesmo é de carlton
apenas um hábito de rótulos em vermelho e branco
no fim, todo cigarro é o mesmo cigarro
tê-lo entre os dedos
no meio das minhas pernas
é que você faz falta
e é por isso que eu trago
todo o velho marlboro
que se oferece à minha boca
e bebo até o último gole
de toda cerveja
nunca cultivei hábitos saudáveis
você é apenas mais uma
das minhas doenças
incuráveis

8.5.11

ode ao casamento de Kate&William

Eu não quero saber do casamento de Kate&William,
nem desses casais felizes que atravessam ruas distraídos,
ou dessas celebridades sorridentíssimas à la Amaury Jr.
Nós não fomos convidados para a festa, meu bem.
E nos entediaríamos facilmente nesses ambientes.
Vivemos em quadros do Picasso gritando por algo.
Somos um corpo Frida Kahlo gritando por algo.
Querem nos aplicar calmantes
- os médicos, as igrejas, os shoppings centeres...
Todos esses templos nos dão morfina e um céu possível.
Acham que é sempre só dor nosso berro incontido.
Mas a gente acha graça e isso não é sorriso;
é gargalhada que é quase grito.
Estamos no limiar, nas fronteiras de tudo.
Nos querem expulsos, mas não podem nos pegar.
Nosso grito corta o ar e salta os muros.
Nunca entramos, mas somos intrusos.
E não nos interessa toda essa festa.
Os refugiados, os expatriados, os desertores,
todos os excluídos,
explodindo fronteiras com seus gritos
- estes são meus ídolos.

definição (im)precisa

não é saudade é falta
não é sozinho é solitário
não é ausência
é a presença do espaço vazio
não é silêncio
é a palavra não dita
é a garganta atravessada, limo na língua
a boca seca, o deserto nos olhos
é todo o impalpável na palma da mão, na linha da vida
e todo esse desejo de cruzar as finas fronteiras do impossível

6.5.11

não cabe no poema

são farelos no fundo do pacote de biscoito
o gesso sem assinaturas depois da fratura
a rachadura naquela velha xícara
acumulando o café de outros dias
e o buraco de cigarro no estofado do sofá
- aquele descuido -
a camisa preferida sem botão
há anos esperando o conserto no fundo do armário
esquecida lá, desejosa de um corpo,
e tão sem botão, tão sem poesia
todas as coisas quebradas que guardamos
os e-mails que ficam pra ler depois
soterrados na sua desimportância
pelos sempre mais novos
toda essa urgência das coisas novas,
mais e mais novas
e todos os velhos vícios, arranhões em discos
essa mania de esfregar a tristeza
na cara dos travesseiros
e toda a melancolia desses copos quebrados
feitos sob medida para pés descalços
essas músicas que tocam na rádio
sempre no momento errado
as lâmpadas queimadas que não trocamos
e a mesma mão sempre no interruptor em vão
- esses esquecimentos –
e as baratas que surgem na madrugada
pelas janelas abertas
pra assombrar nossa falta de vôo
coisas secas e vivas
cercas de arame farpado
o rasgo na roupa e o arranhão na barriga
lágrimas e esparadrapo
e toda essa solidão
perdida na sua risada engraçada
escondida embaixo das nossas cobertas
nas dobras de lençóis revirados
por um momento intimidada pela sua companhia
e toda essa solidão que você me deu
e que sempre foi minha